Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero) é uma música do grupo O Rappa, integrada no disco Lado B Lado A de 1999. Com letra de Marcelo Yuka, a composição aborda temas sociais como a desigualdade e as discriminações que dividem o povo brasileiro.
Lado B Lado A faz parte da lista da Rolling Stone Brasil que reúne os 100 melhores discos da música nacional. Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero) é um dos temas mais famosos do grupo.
Seus versos iniciais entraram para a história da música brasileira contemporânea e viraram grito de guerra:
A minha alma tá armada
E apontada para a cara
Do sossego
Música e letra
A minha alma tá armada
E apontada para a cara
Do sossego
Pois paz sem voz
Paz sem voz
Não é paz, é medoÀs vezes eu falo com a vida
Às vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero
Conservar para tentar ser feliz (x4)As grades do condomínio
São para trazer proteção
Mas também trazem a dúvida
Se é você que está nessa prisão
Me abrace e me dê um beijo
Faça um filho comigo
Mas não me deixe sentar
Na poltrona no dia de domingoProcurando novas drogas
De aluguel nesse vídeo
Coagido, é pela paz
Que eu não quero
Seguir admitindo
É pela paz que eu não quero seguir (x3)
Admitindo
Análise da música
Primeira estrofe
A minha alma tá armada
E apontada para a cara
Do sossego
Pois paz sem voz
Paz sem voz
Não é paz, é medo
A letra abre com o sujeito poético declarando a sua força, mostrando que está pronto para combater a apatia instaurada ("o sossego"). Recorrendo a uma imagem que simboliza a violência do cotidiano, existe um jogo de palavras entre "alma" e "arma".
Aqui, a mensagem de agressão é subvertida: em vez de segurar um revólver, a arma que o sujeito tem para combater é a própria essência, sua identidade. O alvo é o "sossego", o silêncio que é socialmente aceitável e encorajado, a norma que cala todos que sofrem e são discriminados.
É essa "paz sem voz" que está sendo denunciada, porque não se trata de uma paz verdadeira mas de um sintoma do medo e da repressão. Os cidadãos que sofrem preconceito não são escutados e a sociedade age como se não tivessem o direito de falar, de reclamar, de usar a sua voz.
Assim, esse silêncio esconde a opressão, o apagamento. Perante uma ameaça constante e castradora, os sujeitos temem consequências e represálias de suas queixas, o que muitas vezes resulta em autocensura, impossibilidade de falar. Logo com os primeiros versos do tema, O Rappa traz um posicionamento contra a submissão e a passividade.
Segunda estrofe
Às vezes eu falo com a vida
Às vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero
Conservar para tentar ser feliz (x4)
Refletindo sobre a sua postura, o sujeito declara que por vezes "fala com vida", ou seja, pensa, toma decisões, percebe sozinho o que está ao seu redor.
Outras vezes, é a vida que ensina, as coisas acontecem e abrem os seus olhos. A própria realidade o desperta, fazendo com que perceba que não pode tolerar mais esse silenciamento, tem que lutar por si mesmo para alcançar a felicidade.
Decide, assim, não "conservar" essa falsa paz, demarcando a sua postura de denúncia, contra a resignação.
Terceira estrofe
As grades do condomínio
São para trazer proteção
Mas também trazem a dúvida
Se é você que está nessa prisão
Me abrace e me dê um beijo
Faça um filho comigo
Mas não me deixe sentar
Na poltrona no dia de domingo
A terceira estrofe vem tornar explícitas as questões sociais abordadas na música, sublinhando as desigualdades que separam a população. As classes mais altas usam grades nos seus condomínios de luxo para se manterem seguras.
Temem a violência das classes mais desfavorecidas, vistas como inimigas, encaradas como ameaças. Por medo, acabam presos do lado de dentro, sublinhando e multiplicando as divisões e os contrastes.
Nos versos seguintes, o sujeito poético lembra que apesar de todas as diferenças, nossa humanidade nos aproxima. Todos sentimos necessidades semelhantes: amor, carinho, companhia, intimidade, família. O eu lírico assume que quer integrar a norma, quer ter um relacionamento e ser pai, mas se recusa a acabar engolido pelo tédio e pela rotina.
Quarta estrofe
Procurando novas drogas
De aluguel nesse vídeo
Coagido, é pela paz
Que eu não quero
Seguir admitindo
É pela paz que eu não quero seguir (x3)
Admitindo
Dando continuidade aos versos da estrofe anterior, afirma que não pretende ficar apático, desmotivado, "procurando novas drogas", ou seja, outras coisas que o deixem entorpecido ou alienado.
Podemos também interpretar o verso como uma crítica à hipocrisia da sociedade que condena o uso de algumas substâncias, ao mesmo tempo que promove o consumo de outras.
No caso, o que está sendo apontado é o poder nocivo da manipulação das notícias, a proliferação de informações falsas nos canais de televisão. Esse "vídeo coagido", essa lavagem cerebral, alimenta a ignorância e a preguiça de procurar a verdade. A alienação, como uma droga, parece provocar dependência.
É em nome da verdadeira paz, pela busca de uma harmonia genuína entre os seres, que não não pode mais "seguir admitindo". Precisa reagir, quebrar o silêncio, contar sua história. Assim, passa a ação: decide reclamar, fazer militância, lutar pelos seus direitos.
Significado
A música surge como uma denúncia, vem expor aquilo que existe na sociedade mas costuma ser escondido por uma falsa paz. O próprio título faz referência a essa ilusão de sossego que impede as transformações sociais: "(A Paz que Eu Não Quero)"
Evidenciando os desequilíbrios de uma sociedade que continua marcada por racismo, pobreza e violência, O Rappa se posiciona em nome da justiça e da igualdade. A música vem lembrar a necessidade de falarmos, de não aceitarmos a passividade, o silêncio e a discriminação.
Sobre O Rappa
O Rappa foi um conjunto musical formado no Rio de Janeiro em 1993, integrado por Marcelo Falcão, Marcelo Yuka, Nelson Meirelles, Xandão Menezes e Marcelo Lobato. A banda ficou célebre pelo seu estilo único, combinando reggae, rap, rock e música popular brasileira. Suas letras também marcaram a cultura e o panorama musical brasileiro, dando voz a questões políticas e sociais nucleares para o contexto nacional.
Em 2001, Marcelo Yuka, o principal letrista do grupo, foi vítima da violência que denunciava, sendo baleado durante um assalto. Na sequência do ataque, o artista ficou paraplégico e foi forçado a abandonar a carreira de baterista.
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